Norma institui o IERI-e e o SIG-RI, reposiciona o Registro de Imóveis no centro da governança fundiária nacional e inaugura um novo modelo de gestão territorial baseado em dados geoespaciais, interoperabilidade e saneamento registral.
O Conselho Nacional de Justiça instituiu, por meio do Provimento nº 195/2025, um novo marco regulatório para a atividade registral imobiliária no país. A norma altera o Código Nacional de Normas da Corregedoria Nacional de Justiça – Foro Extrajudicial e introduz dois instrumentos centrais: o Inventário Estatístico Eletrônico do Registro de Imóveis (IERI-e) e o Sistema de Informações Geográficas do Registro de Imóveis (SIG-RI), sob a gestão do Operador Nacional do Sistema de Registro Eletrônico de Imóveis (ONR).
Com a medida, o Registro de Imóveis brasileiro passa a operar em bases geoespaciais, com interoperabilidade entre cadastros públicos e controle sistemático da malha territorial, sinalizando uma inflexão estrutural no modo como se realiza a qualificação registral, a publicidade imobiliária e o saneamento do acervo.
Para o registrador Túlio Valadares, diretor de Geoprocessamento do ONR e integrante do Comitê de Normas Técnicas, trata-se de uma mudança de natureza fundacional. “É uma daquelas modificações que são tão estruturantes e disruptivas que irão modificar a forma como o Registro de Imóveis funciona, migrando de uma visão descritiva do imóvel para sua geolocalização”, explica.
A nova lógica territorial estabelece vínculos diretos entre as matrículas e os perímetros físicos dos imóveis, permitindo ao registrador operar com base em coordenadas geodésicas, comparar poligonais e identificar sobreposições, lacunas e inconsistências entre registros, promovendo saneamentos administrativos com base em evidência técnica. A gestão desses dados será realizada por meio do SIG-RI, sistema alimentado diretamente pelas serventias com os perímetros dos imóveis georreferenciados e pelas camadas de dados públicos integradas à plataforma.
“Já contamos com mais de 200 camadas públicas integradas ao Mapa do Registro de Imóveis do Brasil. E os dados estão sendo organizados em três grandes blocos: registros, cadastros públicos e dados ambientais”, afirma Valadares. A interoperabilidade com bases como Sigef, CAR, CCIR, NIRF, CIF e CIB, entre outras, poderá ocorrer por meio de APIs ou convênios específicos, conforme o tipo de dado.
Com isso, a malha territorial do país poderá ser visualizada com precisão, favorecendo o controle da disponibilidade imobiliária, a unicidade das matrículas e a detecção automática de vícios técnicos. A vinculação entre registros e dados espaciais cria uma camada de análise para a atuação registral e abre caminho para o uso de inteligência artificial, já em desenvolvimento pelo ONR, com a IARI (Inteligência Artificial do Registro de Imóveis), voltada à leitura automatizada de coordenadas.
O IERI-e, por sua vez, consolida e estrutura a base estatística dos registros, permitindo que dados agregados sobre área, localização, certificações, número de imóveis e transações estejam disponíveis para consulta pública. “Os dados estatísticos são uma ferramenta muito poderosa para diversos setores. Eles permitirão, por exemplo, que um banco avalie o preço médio de imóveis em uma determinada região antes de conceder crédito. Hoje, uma avaliação custa de mil a dois mil reais. Com os dados transacionais disponíveis, será possível fazer esse trabalho com um custo reduzido”, destaca. Os dados, conforme prevê o Provimento, estarão disponíveis por valores equivalentes a um pedido de busca ou a 1/20 do valor de uma certidão digital, o que democratiza o acesso à informação e favorece o uso em políticas públicas, avaliação de garantias e estudos territoriais.
A norma também consolida novos procedimentos administrativos voltados ao saneamento das matrículas, inclusive com possibilidade de autotutela registral em casos de sobreposição de áreas, duplicidade de matrículas, erros geográficos e registros lançados em serventias territorialmente incompetentes. “Somente serão direcionados ao Judiciário os casos em que não for possível a solução administrativa. Os registros têm muito a contribuir para desafogar o Judiciário”, observa Valadares. Para isso, o Provimento estabelece mecanismos detalhados para a instauração de incidentes, a notificação das partes, o uso de relatórios técnicos e a realização de sessões de mediação na esfera extrajudicial.
A vinculação explícita do Provimento aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Agenda 2030 da ONU confere ao novo marco registral uma dimensão estratégica no campo da governança fundiária. Segundo Valadares, o SIG-RI possibilita um controle eficaz da malha territorial, permitindo que alterações na descrição dos imóveis sejam comparadas com os mais de cem milhões de polígonos já cadastrados. “A comparação entre imóveis e camadas correlatas passa a ser feita de forma automatizada. Isso representa um avanço significativo no controle da regularização das terras no país”, diz.
O Provimento nº 195/2025 estabelece um prazo de até 60 meses para que as serventias atualizem os dados relativos ao passivo registral, com cronogramas definidos pelas Corregedorias Estaduais. Nesse processo, o papel das Corregedorias e dos registradores será determinante para garantir a consolidação da nova base georreferenciada. “Haverá desafios em Cartórios de diferentes portes, mas os ganhos institucionais são muito maiores”, afirma o registrador, destacando que o ONR já desenvolve soluções de apoio técnico com uso de IA para facilitar essa transição.
Publicado em 4 de junho, com vigência a partir de setembro de 2025, o Provimento nº 195 encerra uma etapa de formulação que envolveu estudos, interlocuções técnicas e experiências-piloto. Ao lado do Provimento nº 149/2023 e das diretrizes da Lei nº 14.382/2022, constitui um dos pilares do novo ciclo de modernização institucional do Registro de Imóveis no Brasil. Como resume Valadares, “os registradores devem ver o Provimento 195 como uma ferramenta a serviço do país e do sistema registral. É um divisor de águas e conta com todo o apoio técnico do ONR para sua implementação”.
Por Luana Lopes
Assessoria de Comunicação do ONR