Levantamento sobre contratos de alienação fiduciária foi feito pelo Operador Nacional do Registro de Imóveis
O sistema de alienação fiduciária para financiamento de imóvel garantiu a recuperação de 98,2% dos valores devidos em empréstimos registrados em cartórios, nos últimos três anos e meio. O levantamento sobre a cobrança de inadimplentes é do Operador Nacional do Sistema de Registro Eletrônico de Imóveis (ONR).
No contrato de alienação fiduciária, o devedor mantém o bem e pode usufruir dele, enquanto o credor passa a ser o proprietário legal. Quando a dívida é paga, a propriedade plena volta a ser do devedor. Se houver inadimplência, o credor pode tomar o bem e vendê-lo para quitar parte da dívida (Lei nº 9.514, de 1997).
Entre janeiro de 2022 e agosto deste ano, o levantamento do ONR registrou mais de 1 milhão de pedidos de execução da alienação fiduciária pelos bancos. A recuperação da dívida, seja porque o devedor quitou o valor com a instituição financeira, ou porque o banco tomou o imóvel e o levou a leilão, atingiu mais de R$ 125 bilhões. Esse valor se refere às parcelas ainda não pagas, não ao total do financiamento.
Em 2022, foram 234.076 pedidos de execução, com R$ 17 bilhões recuperados. No ano seguinte, esse número saltou para 295.339 execuções, movimentando R$ 34 bilhões. Em 2024, o volume atingiu 309.053, totalizando R$ 51 bilhões recuperados. Em 2025, até o mês de agosto, já foram realizadas 198.076 cobranças, com R$ 22 bilhões recuperados.
Conforme a Lei da Alienação Fiduciária, em caso de inadimplência o banco deve informar o cartório de registro de imóveis. Isso costuma acontecer após o atraso de três meses no pagamento das parcelas. O cartório, então, notifica o credor para quitação das prestações vencidas (e os juros e encargos decorrentes do atraso) em até 15 dias úteis. Depois desse prazo, a propriedade é constituída em nome do credor.
Dos R$ 125 bilhões levantados pelos cartórios, cerca de R$ 15 bilhões foram recuperados com o leilão dos imóveis, por falta de pagamento dos credores e retomada pelos bancos. Outros R$ 88,8 bilhões foram resgatados com o pagamento das parcelas devidas após a cobrança extrajudicial pelo cartório.
Segundo especialistas, a força da garantia na alienação fiduciária foi essencial para torná-la o principal modelo de financiamento de imóveis no país. Ela é responsável pela recuperação quase absoluta das dívidas, mesmo que tenha havido aumento da inadimplência nos últimos anos devido à crise econômica.
Olivar Lorena Vitale Junior, presidente da Comissão de Direito Imobiliário da OAB de São Paulo, lembra que o comprador normalmente está financiando a casa própria. Diante disso, ao ser notificado de que pode perder o imóvel, o devedor “faz de tudo para pagar a dívida”.
“Antes, quando o financiamento mais popular era a hipoteca, com um bom advogado, o devedor conseguia arrastar o procedimento judicial de questionamento por anos. Ele não pagava e ia se defendendo. Na alienação fiduciária não há essa possibilidade, a garantia é hígida”, afirma.
Celso Petrucci, economista-chefe do Secovi-SP, sindicato de empresas do setor imobiliário, destaca dados da Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança (Abecip), que mostram uma queda vertiginosa da inadimplência desde a adoção da alienação fiduciária. Em 2005, a taxa era de 8,5%. Em junho deste ano, tinha caído para 0,9% dos financiamentos pelo Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo (SBPE). “O modelo da alienação fiduciária é hoje um dos pilares do financiamento imobiliário brasileiro”, diz.
A redução do prazo em relação à alternativa judicial tornou o mercado mais dinâmico e facilitou a recuperação das dívidas, segundo Juan Pablo Correa Gossweiler, presidente do ONR. “As instituições financeiras abrem mais a torneira dos financiamentos porque estão seguras das garantias”, explica.
A alienação fiduciária, acrescenta, trouxe uma forma célere de recuperação do crédito, o que dá segurança para avançar com o financiamento imobiliário. “Como a constitucionalidade da modalidade foi garantida pelo Supremo Tribunal Federal (STF), há também segurança jurídica”, diz.
A chancela do STF veio no início de 2024, quando o tribunal decidiu, no Tema 982 de repercussão geral, que o procedimento previsto pela Lei nº 9.514 “para a execução extrajudicial da cláusula de alienação fiduciária em garantia” é compatível “com as garantias processuais previstas na Constituição Federal”.
Marc Stalder, sócio da área de Direito Imobiliário do Demarest, ressalva apenas que, nos casos de recuperação por leilão, o banco pode não conseguir sempre a melhor solução, já que existe a possibilidade de o imóvel não ser vendido. Nesse caso, a instituição financeira fica com a titularidade do bem, mas não consegue recuperar o dinheiro emprestado
Apesar disso, ele acredita que a alienação fiduciária deve continuar a ser uma garantia amplamente usada, não só por já estar consolidada entre as instituições bancárias, mas também porque já está bastante “testada”. Segundo ele, o Marco Legal de Garantias também ajudou a fortalecer o mecanismo, oferecendo possibilidades de flexibilizar as operaçõe
Por outro lado, acrescenta, há discussões judiciais sobre garantias concorrentes que podem preocupar. Um exemplo foi o julgamento da 2ª Seção do STJ que permitiu a penhora de imóvel para quitar dívida de condomínio, mesmo que financiado por contrato de alienação fiduciária (RESp 1929926, REsp 2082647 e RESp 2100103).
“Se o devedor não tem dinheiro para pagar tudo, prioriza o financiamento para não perder o imóvel, e deixa de pagar o condomínio. Essas discussões são muito legítimas, mas de caráter mais social. Juridicamente falando, o credor tem a prioridade da garantia, que só poderia servir para isso”, defende Stalder.
Fonte: Valor Econômico





